Losartana lidera vendas no Brasil e expõe cenário crítico de hipertensão e diagnóstico tardio

Losartana é hoje o remédio genérico mais vendido do Brasil. Especialistas explicam por que o país depende do medicamento, se ele causa vício, por quanto tempo pode ser usado e o que isso revela sobre a saúde pública.

Ryan Davi

12/6/20252 min read

A losartana, usada no controle da pressão alta, tornou-se o genérico mais vendido do Brasil, superando até analgésicos amplamente consumidos. O dado escancara uma realidade incômoda: o país está mais hipertenso, sedentário, dorme mal, se alimenta pior — e recebe diagnóstico tardiamente.

Segundo o cirurgião cardiovascular Ricardo Katayose, da Beneficência Portuguesa, o fenômeno revela falhas estruturais da atenção primária.
“Temos uma prevalência de hipertensão acima da média global. O cuidado preventivo não acompanha a necessidade da população”, afirma.

Hoje, 3 em cada 10 adultos brasileiros têm pressão alta. A nova Diretriz Brasileira de Hipertensão (2025) ainda ampliou o grupo de risco ao classificar a pressão 12x8 como pré-hipertensão, aumentando a busca por tratamento.

Por que a losartana se tornou indispensável?

A eficácia, a segurança e o baixo custo explicam parte da liderança. Além disso:

  • é produzida no Brasil;

  • está disponível gratuitamente no SUS;

  • tem mecanismo de ação compreendido e previsível.

A losartana age bloqueando o receptor responsável por contrair vasos sanguíneos, impedindo que o corpo mantenha a pressão elevada de forma desnecessária.

O cardiologista Márcio Sousa, do Instituto Dante Pazzanese, destaca que ela foi o primeiro medicamento da sua classe lançado no país, o que ajudou na popularização. No entanto, não é sempre a melhor opção:

  • funciona melhor quando tomada duas vezes ao dia;

  • pode ser menos potente que versões mais modernas, como candesartana e omesartana;

  • tem vantagens específicas, como ajudar na redução do ácido úrico.

O especialista reforça:
“Losartana não vicia e pode ser usada pela vida toda, desde que de forma acompanhada.”

O problema não é o remédio — é a forma como o país o usa

Como a hipertensão muitas vezes é silenciosa, muitos brasileiros começam a tomar losartana por conta própria, influenciados por vizinhos ou familiares. O risco disso, dizem os especialistas, é mascarar doenças importantes:

  • apneia do sono;

  • estenose da artéria renal;

  • distúrbios hormonais como feocromocitoma.

A pressão pode até baixar, mas a causa real continua evoluindo.

Diagnóstico tardio: o ponto fraco do Brasil

A diretriz de 2025 reforça a necessidade de avaliar o paciente como um todo: peso, sono, colesterol, glicemia, estresse e hábitos de vida.
Porém, segundo especialistas, a maioria dos brasileiros só descobre a hipertensão após sintomas graves, como dor no peito ou tontura.

“Os pacientes chegam tarde. O remédio vira a única intervenção contínua, quando o problema começou anos antes”, explica Eduardo Lima, da USP.

Losartana é segura? Pode ser usada por muito tempo?

Sim, afirmam os especialistas. O que gera preocupação é a qualidade de fabricação — especialmente após recalls em 2018 envolvendo contaminação por nitrosaminas em lotes específicos.

Hoje, segundo o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, as análises recentes não encontraram contaminação.

A relação risco-benefício é clara: tratar a pressão sempre é mais seguro do que conviver com ela elevada, evitando AVC, infarto e insuficiência renal.

O que realmente reduz a pressão a longo prazo

Os médicos reforçam que nenhum remédio funciona sozinho sem mudanças de estilo de vida. Entre as medidas mais eficazes estão:

  • reduzir o sal e evitar ultraprocessados;

  • aumentar o consumo de frutas e verduras;

  • praticar atividade física;

  • tratar apneia do sono;

  • diminuir álcool;

  • controlar o peso;

  • medir a pressão regularmente.

Como resume Katayose:
“O problema não é a losartana. É acreditar que ela resolve tudo.”