Festa de Santa Bárbara em Salvador: história, tradições e por que o dia 4 de dezembro é tão especial

Conheça a origem da Festa de Santa Bárbara em Salvador, sua ligação com o acarajé, a chuva, os bombeiros e o sincretismo com Iansã. Entenda por que o festejo abre o calendário popular da capital baiana.

Ryan Davi

12/4/20252 min read

Celebração secular colore o Centro Histórico de vermelho e abre as festas populares da Bahia

Todo dia 4 de dezembro, o Centro Histórico de Salvador amanhece tomado pelo vermelho: é dia da Festa de Santa Bárbara, tradição com mais de 380 anos que marca o início oficial dos festejos populares na capital baiana. Misturando fé católica, elementos das religiões de matriz africana e muita cultura do povo, o evento atrai milhares de devotos ao Pelourinho e ao Comércio.

A celebração, iniciada no século XVII, começou com um casal de portugueses devotos e, ao longo do tempo, se tornou uma das festas mais significativas da Bahia — tanto pela força religiosa quanto pela presença histórica de comerciantes e da população negra escravizada que ajudou a moldar o festejo.

Origens: de um morgado português ao coração do Pelourinho

A festa nasceu no antigo Morgado de Santa Bárbara, edificação construída pelo casal Francisco e Andressa Lago, que além de comerciantes, mantinham uma capela dedicada à santa. No local, africanos escravizados também trabalhavam e comercializavam alimentos, transformando a celebração em um evento profundamente popular e diverso desde o início.

Por muitos anos, a festa teve visibilidade reduzida devido à proximidade com a Festa da Conceição da Praia, comemorada em 8 de dezembro. Porém, nunca perdeu seu vínculo com o povo.

O incêndio que marcou a devoção

Em 1899, um incêndio atingiu um hotel vizinho ao mercado do morgado e danificou a capela onde estava a imagem de Santa Bárbara. O fogo destruiu parte da estrutura, mas a imagem — considerada milagrosa — permaneceu intacta.

A partir daí, as homenagens passaram a ocorrer em diferentes pontos do Comércio e depois do Centro Histórico, adaptando-se às mudanças urbanas e ao deslocamento dos comerciantes para a Baixa dos Sapateiros.

Nos anos 1980, a festa renasce com força

A virada aconteceu quando a imagem da santa foi doada para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, que assumiu sua guarda e a realização anual do festejo. O crescimento foi tão grande que, hoje, a igreja já não comporta a multidão.

A partir daí, a festa se consolidou como um dos principais eventos religiosos populares da Bahia — uma celebração do povo e para o povo.

Sincretismo: Santa Bárbara e Iansã

Em Salvador, elementos católicos e de matriz africana caminham juntos. A imagem de Santa Bárbara foi associada a Iansã, orixá guerreira que domina ventos, tempestades e o fogo.

A relação não é apenas simbólica: ambas são representadas com espada, raio e a cor vermelha.

Essa fusão religiosa explica por que a festa reúne:

  • Missa e procissão,

  • Acarajé, caruru e comidas de dendê,

  • Toques de atabaque,

  • Católicos e candomblecistas lado a lado.

“Na missa tem hóstia e acarajé”, brinca o pesquisador Vagner Rocha, doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA.

Santa dos Bombeiros — e da Chuva

Como o trajeto da procissão passa pelo quartel do Corpo de Bombeiros, a corporação adotou Santa Bárbara como padroeira. É um dos momentos mais emocionantes do cortejo: militares reverenciam a imagem e a água dos caminhões-pipa é aspergida sobre os fiéis.

Outro elemento marcante é a chuva. Historicamente, o dia 4 de dezembro costuma ser chuvoso em Salvador, e jornais antigos brincavam que, quando a festa estava esvaziada, “Santa Bárbara chorava de tristeza”.